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O luto e a eternidade

Tudo fez formoso em seu tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir a obra que Deus fez desde o princípio até ao fim”. (Eclesiastes 3.11)

 

Ao sermos criados à imagem de Deus carregamos algumas de suas características; dentre elas, o fato de sermos tripartite: pó, alma e fôlego de vida. (Gn 2.7; I Ts 5.23); O mais fantástico dessa natureza é que ela revela nossa insignificância ao mesmo tempo em que manifesta a magnificência do Deus Eterno e Criador.

 

Ao imprimir em nós parte da Sua grandeza (a eternidade), simultaneamente declara nossa incapacidade de compreender inteiramente Sua obra e majestade. Ao longo da história, o homem buscou preencher essa lacuna; os que mais influenciaram e influenciam a construção de teorias até hoje, são os pensadores gregos e suas filosofias.

 

A filosofia surge assim da necessidade do homem explicar a origem do mundo, dos eventos atribuídos muitas vezes às explicações mitológicas e divinas; a partir da racionalidade.

 

Ao basear o conhecimento em explicações racionais, os filósofos gregos propunham, dentre outros, o questionamento constante como meio de busca pela verdade; através da teoria das ideias, de fundo dualista; além de pregar contra os extremos, uma sedutora e maliciosa doutrina do homem em equilíbrio.

 

Essa inconformidade se revela ainda mais patente quando nos deparamos com a morte. Seres criados a partir de um Deus Sempiterno, carregando em si a eternidade, não lidam bem com o fim; com a separação terrena.

 

Há muitos anos assisti um filme épico: 'Gladiador'; esse clássico da cinematografia inicia com o personagem principal, Máximus, nos Campos Elíseos, aquilo que os gregos chamam de paraíso, reservado para os guerreiros valentes e nobres, os sábios e bem-aventurados.

 

Ao discursar para sua tropa antes da batalha, o personagem interpretado por Russell Crowe, fala algo que, dentre tantos devaneios, pesa para nós: "O que fazemos em vida ecoa pela eternidade". Essa nossa ânsia pelo saber, por controlar e explicar todas as coisas nada mais é do que a nossa insatisfação com a brevidade dos nossos dias.

 

Ao querer eternizar nossos feitos, relacionamentos e memórias, nos deixamos facilmente influenciar por justificativas que se distanciam e negam a veracidade de Deus e da Sua Palavra. Nos tornamos muitas vezes amargos e ingratos; nos isolamos e culpamos Deus e as pessoas que estão em nosso entorno.

 

Nada é mais doloroso e conflituoso do que lidar com o luto; a perda de pessoas que amamos ainda nos impacta e aflige mesmo tendo clareza e convicção da eternidade em Deus. Como referência dessa verdade penso em Noemi, esposa de Elimeleque, mãe de Malon e Quiliom.

 

A narrativa espetacular dessa biografia, contida no Livro de Rute, nos faz refletir sobre a oposição existente entre a consciência da grandeza e do poder de Deus e a fraqueza da nossa humanidade frente a amargura e a dor que a morte gera.

 

Noemi, uma israelita conhecedora do Deus Todo Poderoso, era residente em Belém com toda sua família. Em decorrência de uma grave fome Elimeleque leva toda sua família para os verdes campos de Moabe. Ao deixar a 'casa de pão' em busca de alimento, passam a morar em terra idólatra e estrangeira.

 

Como uma fiel adoradora de Javé, Noemi influenciava aqueles que a cercavam. Pouco tempo depois de chegarem à Moabe, seu esposo faleceu e ela continuou a cuidar dos filhos que se casaram com mulheres moabitas.

 

Infelizmente os infortúnios de Noemi ainda não haviam acabado: seus dois filhos também morreram na terra pagã do deus Quemos. Ao ser confrontada com a dor mais aguda, Noemi conseguiu tomar a decisão sábia de retornar para Belém e abençoar suas noras desejando-lhes a benevolência de Deus.

 

Mesmo com o coração despedaçado, a sogra belemita ainda devota um amor genuíno, sensível e leal às suas noras. Seu exemplo tão marcante fez com que essas mulheres se ligassem a ela; após insistir muito uma delas, Orfa, resolve voltar para Moabe, sua família e seus deuses; enquanto que Rute se apega à Noemi, seu Deus e seu povo.

 

Ao chegar em Belém com sua nora Rute, pesa em Noemi toda sua dor e frustração pelo que lhe sobreveio e ela se auto nomina “Mara, porque grande amargura me tem dado o Todo-Poderoso” (Rt 1.20). Uma tendência natural humana é culpar Deus pelas nossas desventuras; ainda assim, essa mulher viúva e desfilhada reconhece quem é Deus e demonstra conhecimento das leis do seu povo.

 

Noemi pôde guiar Rute pelas minúcias da lei do resgatador e da lei do levirato, abrindo mão de seus próprios interesses pelo bem de sua nora moabita. Como recompensa desse amor tão altruísta, essa mulher 'vazia' desfrutou do cuidado de Boaz e Rute e teve a bênção de segurar um neto nos braços.

 

Embora a morte de pessoas próximas e amadas seja um evento difícil de lidar, Deus é aquele que faz florescer a mais bela esperança em meio ao solo árido do luto. Ele permitiu a duas viúvas pobres e desamparadas repousar em família; permitiu, através de uma forasteira, nascer um grande rei para Israel (Rei Davi) e um Remidor (Jesus Cristo) para todo o mundo: o Autor da Vida Eterna.

 

Muito além de qualquer explicação racional humana, a inconformidade ante a morte é uma marca insolúvel e indissociável da digital do Criador no ser criado. Ao registrar no coração do homem a eternidade, Deus deseja que sua criatura possa concluir que esse Ser Poderoso o quer parte da Sua Família, da Sua Graça.

 

Que ao sermos confrontados com a verdade de Deus que é extrema (morte de cruz); é triangular (Pai, Filho e Espírito Santo) e inquestionável (João 14:6); possamos entender que a decisão de reconhecer a Cristo, em vida, como único Caminho e Meio para salvação, ou negá-lo, vai ecoar por toda a eternidade com, ou sem Ele.

 

 

 

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